“Além de ser uma réplica do realismo irónico queirosiano (…) o realismo lírico de Cesário Verde será o seu esforço de autenticidade anti-retoricista, com versos magistrais, salubres e sinceros.”
Considerado um autor de referência do século XX, Cesário Verde apresenta-se como um poeta versátil que se enquadra em quatro estilos literários:
Realismo: Cesário Verde dá especial importância ao mundo externo e à materialidade dos objectos, apreendendo os pormenores constituintes das aparências do real e deixando-se consumir por eles. Uma das características da sua obra é a selectividade na medida em que cada poema corresponde a um tema concreto da realidade - a dureza do trabalho («Cristalizações» e «Num Bairro Moderno»); a doença e a injustiça social («Contrariedades»); a imoralidade das «impuras», a desonestidade do «ratoneiro» e a «miséria do velho professor» em «O Sentimento dum Ocidental».
Modernismo: descontextualizado e reformista no que diz respeito ao período literário, é deste movimento que surge posteriormente a si, que Cesário mais se aproxima. O realismo e o naturalismo são suavemente abandonados apenas por causa da subjectividade que é imposta na visão e que Cesário faz questão de focar.
Impressionismo: o poeta assume-se como pintor na medida em que descreve tal e qual um quadro a realidade. A sua poesia expressa as percepções sensoriais que o mundo exterior em si desperta. Para pintar o seu quadro poético, Cesário utiliza diversos recursos estilísticos entre eles a hipálage e a adjectivação dupla/tripla (com a qual revela não só o que é visível, mas também a impressão do que disso se pode tirar).
Visto como realista, Cesário nunca levaria as suas hipérboles (encaradas como ironias, então) à letra pelo que se tornaria um facto descabido e inimaginável - “desejo absurdo de sofrer”.
O autor utiliza a ironia reflexiva e criticamente de modo a refutar os padrões e regras do período histórico em que viveu. E talvez seja esta a razão pela qual traça um caminho rumo ao modernismo. A ironia é ainda utilizada de forma a desprezar o sentimentalismo – este desprezo do sentimento constitui uma das características do parnasianismo, movimento literário também seguido por Cesário Verde que declara que a descrição da realidade deve ser feita atendendo unicamente à estética, à beleza – daí dizer-se que as obras de Cesário são cromáticas, pois é a cor e a luz que se podem assumir como “personagens” principais. Paralelamente ao seu contemporâneo Eça de Queirós, o poeta lisboeta faz diferentes apreensões do real, tão diferentes que se podem contradizer e originar a ironia que pode tomar uma função crítica ou acrítica).
O seu esforço de “autenticidade anti-retoricista” passa por, como a própria expressão indica, distanciar a “arte de bem falar”, a retórica tradicional de origem grega. Cesário Verde manifestava versos salubres e sinceros, versos limpos e sensatos, livres de fantasias, ornamentos e pormenores que enriqueceriam desnecessariamente os versos. Porém, e apesar da simplicidade que Cesário pretendia incutir aos seus poemas, por causa do impressionismo pictórico que tanto idolatrava, acabou por submetê-los à difusão artística imposta na vertente literária.
quinta-feira, 4 de junho de 2009
quarta-feira, 3 de junho de 2009
Poema Setentrional de Cesário Verde, e sua análise.
Talvez já te não lembres, triste Helena,
Dos passeios que dávamos sozinhos,
À tardinha, naquela terra amena,
No tempo da colheita dos bons vinhos.
Talvez já te não lembres, pesarosa,
Da casinha caiada em que moramos,
Nem do adro da ermida silenciosa,
Onde nós tantas vezes conversamos.
Talvez já te esquecesses, ó bonina,
Que viveste no campo só comigo,
Que te osculei a boca purpurina,
E que fui o teu sol e o teu abrigo.
Que fugiste comigo da Babel,
Mulher como não há nem na Circássia,
Que bebemos, nós dois, do mesmo fel,
E regamos com prantos uma acácia.
Talvez já te não lembres com desgosto
Daquelas brancas noites de mistério,
Em que a Lua sorria no teu rosto
E nas lajes campais do cemitério.
Talvez já se apagassem as miragens
Do tempo em que eu vivia nos teus seios,
Quando as aves cantando entre as ramagens
O teu nome diziam nos gorjeios.
Quando, à brisa outoniça, como um manto,
Os teus cabelos de âmbar, desmanchados,
Se prendiam nas folhas dum acanto,
Ou nos bicos agrestes dos silvados.
E eu ia desprendê-los, como um pajem
Que a cauda solevasse aos teus vestidos,
E ouvia murmurar à doce aragem
Uns delírios de amor, entristecidos.
Quando eu via, invejoso, mas sem queixas,
Pousarem 'borboletas doidejantes
Nas tuas formosíssimas madeixas,
Daquela cor das messes lourejantes.
E no pomar, nós dois, ombro com ombro,
Caminhávamos sós e de mãos dadas,
Beijando os nossos rostos sem assombro,
E colorindo as faces desbotadas.
Quando Helena, bebíamos, curvados,
As águas nos ribeiros remansosos,
E, nas sombras, olhando os céus amados
Contávamos os astros luminosos.
Quando, uma noite, em êxtases caímos
Ao sentir o chorar dalgumas fontes,
E os cânticos das rãs que sobre os limos
Quebravam a solidão dos altos montes.
E assentados nos rudes escabelos,
Sob os arcos de murta e sobre as relvas,
Longamente sonhamos sonhos belos,
Sentindo a fresquidão das verdes selvas.
Quando ao nascer da aurora, unidos ambos
Num amor grande como um mar sem praias
Ouvíamos os meigos ditirambos
Que os rouxinóis teciam nas olaias.
E, afastados da aldeia e dos casais,
Eu contigo, abraçado como as heras,
Escondidos nas ondas dos trigais.
Devolvia-te os beijos que me deras.
Quando, se havia lama no caminho,
Eu te levava ao colo sobre a greda,
E o teu corpo nevado como arminho
Pesava menos que um papel de seda.
Talvez já te esquecesses dos poemetos,
Revoltos como os bailes do Cassino,
E daqueles byrônicos sonetos
Que eu gravei no teu peito alabastrino.
De tudo certamente te esqueceste,
Porque tudo no mundo morre e muda,
E agora és triste e só como um cipreste,
E como a campa jazes fria e muda.
Esqueceste-te, sim, meu sonho querido,
Que o nosso belo e lúcido passado
Foi um único abraço comprimido,
Foi um beijo, por meses, prolongado.
E foste sepultar-te, ó serafim,
No claustro das Fiéis emparedadas,
Escondeste o teu rosto de marfim
No véu negro das freiras resignadas.
E eu passo tão calado como a Morte
Nesta velha cidade tão sombria,
Chorando aflitamente a minha sorte
E prelibando o cálix da agonia,
E, tristíssima Helena, com verdade,
Se pudera na terra achar suplícios,
Eu também me faria gordo frade
E cobriria a carne de cilícios.
Análise
O tema deste poema pertence á primeira fase poética de Cesário verde, ou seja, a crise romanesca, que se estabelece no sujeito poético. O sujeito lírico começa por se dirigir a um "tu", á mulher amada por que se sente apaixonado e feliz quando o seu amor tem por cenário o campo. Alterando-se quando a cidade faz parte da realidade, dando origem á tristeza e á infelicidade. O campo é, com efeito, símbolo do amor e da infelicidade do passado entre o "eu" e o "tu", sendo visível no poema até á estrofe 10. Contudo, a partir da 11ª estrofe até á 13ª as palavras do poeta revelam-nos tristeza e infelicidade. A cidade é agora o cenário de fundo e o símbolo da infelicidade existente. Existe uma dicotomia entre a cidade e o campo, pois a cidade para o poeta significa a morte e para a mulher amada o convento. É a sepultura, enquanto que o campo se revelou a alegria de viver deste casal.
Dos passeios que dávamos sozinhos,
À tardinha, naquela terra amena,
No tempo da colheita dos bons vinhos.
Talvez já te não lembres, pesarosa,
Da casinha caiada em que moramos,
Nem do adro da ermida silenciosa,
Onde nós tantas vezes conversamos.
Talvez já te esquecesses, ó bonina,
Que viveste no campo só comigo,
Que te osculei a boca purpurina,
E que fui o teu sol e o teu abrigo.
Que fugiste comigo da Babel,
Mulher como não há nem na Circássia,
Que bebemos, nós dois, do mesmo fel,
E regamos com prantos uma acácia.
Talvez já te não lembres com desgosto
Daquelas brancas noites de mistério,
Em que a Lua sorria no teu rosto
E nas lajes campais do cemitério.
Talvez já se apagassem as miragens
Do tempo em que eu vivia nos teus seios,
Quando as aves cantando entre as ramagens
O teu nome diziam nos gorjeios.
Quando, à brisa outoniça, como um manto,
Os teus cabelos de âmbar, desmanchados,
Se prendiam nas folhas dum acanto,
Ou nos bicos agrestes dos silvados.
E eu ia desprendê-los, como um pajem
Que a cauda solevasse aos teus vestidos,
E ouvia murmurar à doce aragem
Uns delírios de amor, entristecidos.
Quando eu via, invejoso, mas sem queixas,
Pousarem 'borboletas doidejantes
Nas tuas formosíssimas madeixas,
Daquela cor das messes lourejantes.
E no pomar, nós dois, ombro com ombro,
Caminhávamos sós e de mãos dadas,
Beijando os nossos rostos sem assombro,
E colorindo as faces desbotadas.
Quando Helena, bebíamos, curvados,
As águas nos ribeiros remansosos,
E, nas sombras, olhando os céus amados
Contávamos os astros luminosos.
Quando, uma noite, em êxtases caímos
Ao sentir o chorar dalgumas fontes,
E os cânticos das rãs que sobre os limos
Quebravam a solidão dos altos montes.
E assentados nos rudes escabelos,
Sob os arcos de murta e sobre as relvas,
Longamente sonhamos sonhos belos,
Sentindo a fresquidão das verdes selvas.
Quando ao nascer da aurora, unidos ambos
Num amor grande como um mar sem praias
Ouvíamos os meigos ditirambos
Que os rouxinóis teciam nas olaias.
E, afastados da aldeia e dos casais,
Eu contigo, abraçado como as heras,
Escondidos nas ondas dos trigais.
Devolvia-te os beijos que me deras.
Quando, se havia lama no caminho,
Eu te levava ao colo sobre a greda,
E o teu corpo nevado como arminho
Pesava menos que um papel de seda.
Talvez já te esquecesses dos poemetos,
Revoltos como os bailes do Cassino,
E daqueles byrônicos sonetos
Que eu gravei no teu peito alabastrino.
De tudo certamente te esqueceste,
Porque tudo no mundo morre e muda,
E agora és triste e só como um cipreste,
E como a campa jazes fria e muda.
Esqueceste-te, sim, meu sonho querido,
Que o nosso belo e lúcido passado
Foi um único abraço comprimido,
Foi um beijo, por meses, prolongado.
E foste sepultar-te, ó serafim,
No claustro das Fiéis emparedadas,
Escondeste o teu rosto de marfim
No véu negro das freiras resignadas.
E eu passo tão calado como a Morte
Nesta velha cidade tão sombria,
Chorando aflitamente a minha sorte
E prelibando o cálix da agonia,
E, tristíssima Helena, com verdade,
Se pudera na terra achar suplícios,
Eu também me faria gordo frade
E cobriria a carne de cilícios.
Análise
O tema deste poema pertence á primeira fase poética de Cesário verde, ou seja, a crise romanesca, que se estabelece no sujeito poético. O sujeito lírico começa por se dirigir a um "tu", á mulher amada por que se sente apaixonado e feliz quando o seu amor tem por cenário o campo. Alterando-se quando a cidade faz parte da realidade, dando origem á tristeza e á infelicidade. O campo é, com efeito, símbolo do amor e da infelicidade do passado entre o "eu" e o "tu", sendo visível no poema até á estrofe 10. Contudo, a partir da 11ª estrofe até á 13ª as palavras do poeta revelam-nos tristeza e infelicidade. A cidade é agora o cenário de fundo e o símbolo da infelicidade existente. Existe uma dicotomia entre a cidade e o campo, pois a cidade para o poeta significa a morte e para a mulher amada o convento. É a sepultura, enquanto que o campo se revelou a alegria de viver deste casal.
domingo, 29 de março de 2009
“EURICO, O PRESBÍTERO” DE ALEXANDRE HERCULANO
Alexandre Herculano nasceu em Lisboa em 1810 e morreu em 1877 na cidade de Santarém. Colega e seguidor de Garrett (com quem desenvolveu alguns temas da discordância do homem com a sociedade) Herculano é tido como o introdutor do romance histórico em Portugal.
Em “Eurico, o Presbítero”, elaborado em 1844, o escritor dá destaque à narrativa e à descrição. Trata-se de um romance histórico, que, aliás, patenteia diversas características deste mesmo género (por exemplo, o nacionalismo e a religiosidade). O conteúdo da obra passa-se no século VII na Península Ibérica e apresenta como tema principal a tragédia amorosa.
Herculano não só escrevia narrativas como também poemas.
Em “Eurico, o Presbítero”, elaborado em 1844, o escritor dá destaque à narrativa e à descrição. Trata-se de um romance histórico, que, aliás, patenteia diversas características deste mesmo género (por exemplo, o nacionalismo e a religiosidade). O conteúdo da obra passa-se no século VII na Península Ibérica e apresenta como tema principal a tragédia amorosa.
Herculano não só escrevia narrativas como também poemas.
“MENINA E MOÇA” DE BERNARDIM RIBEIRO
Bernardim Ribeiro, escritor medieval português, crê-se que terá nascido em 1475 na aldeia de Torrão. Principal responsável pela introdução do botulismo em Portugal, desenvolvia maioritariamente nas suas obras os sentimentos de amor e saudade. A escrita deste autor caracteriza-se pela linguagem arcaica utilizada.
A sua obra “Menina e Moça” foi editada pela primeira vez em Itália no ano de 1554. Seguiram-lhe mais duas diferentes edições. Trata-se de um romance constituído por elementos da novela de cavalaria e da sentimental e do romance pastoril quanto à forma e convertido num um lugar de encontro, feminino e lamentoso da Menina.
A nostalgia amorosa e o fatalismo do sofrimento assumem-se como tema principal numa obra em que tópicos como o amor, a natureza, a mudança e a distância são abordados. Bernardim escreveu, então, a primeira obra portuguesa que se desprendia totalmente da ficção para se entregar à narrativa feminina.
Com este novo tipo de romance, o escritor consegue transpor as fronteiras do país e servir de referência a obras estrangeiras.
A sua obra “Menina e Moça” foi editada pela primeira vez em Itália no ano de 1554. Seguiram-lhe mais duas diferentes edições. Trata-se de um romance constituído por elementos da novela de cavalaria e da sentimental e do romance pastoril quanto à forma e convertido num um lugar de encontro, feminino e lamentoso da Menina.
A nostalgia amorosa e o fatalismo do sofrimento assumem-se como tema principal numa obra em que tópicos como o amor, a natureza, a mudança e a distância são abordados. Bernardim escreveu, então, a primeira obra portuguesa que se desprendia totalmente da ficção para se entregar à narrativa feminina.
Com este novo tipo de romance, o escritor consegue transpor as fronteiras do país e servir de referência a obras estrangeiras.
Memória ao Conservatório Real
Na Memória ao Conservatório Real, Almeida Garrett explica que os factos históricos portugueses são marcados por uma simplicidade majestosamente trágica e moderna.
Em Frei Luís de Sousa, é demonstrado o espírito do Cristianismo que suaviza o desespero das personagens: em vez de uma morte violenta, morrem para o mundo terreno (entregam-se a Deus).
Em vez do verso típico da tragédia, Almeida Garrett preferiu a prosa, pois Frei Luís de Sousa fora um dos melhores prosadores da língua portuguesa. Consequentemente, na forma esta obra é um drama e no conteúdo considera-se uma tragédia antiga.
Almeida Garrett utiliza uma acção muito “simples”, sem paixões violentas: poucas personagens, todas elas verdadeiramente cristãs, sem qualquer elemento macabro, despertando no público dois sentimentos próprios da tragédia como por exemplo o terror e a piedade.
Garrett refere as fontes de que se serviu para escrever o Frei Luís de Sousa: uma representação de teatro a que assistiu, mais tarde, a leitura de duas narrativas sobre este tema, de D. Francisco Alexandre Lobo e de Frei António da Incarnação e mais recentemente, o drama, O Cativo de Fez.
O autor afirma, todavia, que não se sentiu obrigado a respeitar a verdade histórica, mas sim a “verdade” poética, pois, num século democrático, “tudo o que se fizer há-de ser pelo povo e com o povo…ou não se faz” – o que o povo quer é verdade.
Em Frei Luís de Sousa, é demonstrado o espírito do Cristianismo que suaviza o desespero das personagens: em vez de uma morte violenta, morrem para o mundo terreno (entregam-se a Deus).
Em vez do verso típico da tragédia, Almeida Garrett preferiu a prosa, pois Frei Luís de Sousa fora um dos melhores prosadores da língua portuguesa. Consequentemente, na forma esta obra é um drama e no conteúdo considera-se uma tragédia antiga.
Almeida Garrett utiliza uma acção muito “simples”, sem paixões violentas: poucas personagens, todas elas verdadeiramente cristãs, sem qualquer elemento macabro, despertando no público dois sentimentos próprios da tragédia como por exemplo o terror e a piedade.
Garrett refere as fontes de que se serviu para escrever o Frei Luís de Sousa: uma representação de teatro a que assistiu, mais tarde, a leitura de duas narrativas sobre este tema, de D. Francisco Alexandre Lobo e de Frei António da Incarnação e mais recentemente, o drama, O Cativo de Fez.
O autor afirma, todavia, que não se sentiu obrigado a respeitar a verdade histórica, mas sim a “verdade” poética, pois, num século democrático, “tudo o que se fizer há-de ser pelo povo e com o povo…ou não se faz” – o que o povo quer é verdade.
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